CAMELINO PARVO

apresentação
A mente humana é, com efeito, um repositório de emoções e de conceitos relacionados à percepção de todos os fenômenos que envolvem o ser, direta ou indiretamente. Por mais tosca que seja a mente de um indivíduo, ela forma conceitos relativos a essas percepções. De uma forma geral, esses entendimentos são mais ou menos homogêneos, sem uma variação muito significativa de indivíduo para indivíduo. Para certas pessoas, entretanto, o conceito de lógica não segue exatamente os padrões gerais da maioria. Por alguma razão que a ciência ainda não conseguiu explicar, o entendimento dessas pessoas em relação a situações e acontecimentos da vida cotidiana não confere com a noção que a maioria dos seus semelhantes tem dos mesmos fenômenos. Então essa pessoa tem reações e atitudes diferentes...
Conheça CAMELINO PARVO e a sua lógica diferenciada


O sumiço da mãe
Camelino Parvo recebeu a visita da velha mãe que veio passar uns dias. A velhinha, já meio esclerosada, resolveu sair de casa para um rápido passeio pelas redondezas, uma “volta na quadra”, como disse. A esposa de Camelino não quis deixar, mas como não podia sair também e a sogra insistisse muito, acabou concordando, ainda mais por se tratar de um lindo dia, bem ensolarado, e estarem num bairro super tranquilo. E fez a indefectível recomendação de que não se afastasse muito, não mais de uma quadra. Resultado: passou-se o tempo e nada da velha retornar. Algumas horas depois, o sumiço foi denunciado à polícia. Levantada a hipótese dela ter se perdido, não sabendo como voltar para casa, o agente da investigação policial quis saber:
- Ela tem algum problema de memória?
Camelino, de pronto:
- Ela é superesquecida, doutor. Esquece tudo. Estou preocupado com o pior...
- O que seria esse “pior”?
- É ela ter esquecido a memória em casa.

Camelino e o remédio
Camelino sentiu uma indisposição e foi ao médico. Após a consulta o médico receitou uns comprimidos, que o paciente deveria tomar da seguinte forma: dois deles no primeiro dia, um apenas no segundo dia; novamente dois no terceiro dia e um no quarto dia; e assim, sucessiva e alternadamente, dois comprimidos em determinado dia e apenas um no dia seguinte.
Conhecendo a “lógica diferenciada” do Camelino, o médico explicou o método de diversas formas, arrematando:
- Entendeu então, Sr. Parvo? Com um pouco de água, tome dois comprimidos hoje e um amanhã; tome novamente dois depois de amanhã e um no dia seguinte; e assim sucessivamente, dois num dia e um no outro. Entendeu?
- Entendi, sim senhor.
- Então vamos recapitular. Diga para mim: como é que o senhor vai tomar o remédio?

Camelino balconista
Camelino Parvo arrumou um emprego de balconista numa loja de ferragens. Atendeu a um cliente que trouxe um parafuso de amostra:
- Vocês tem desse tipo de parafuso?
Camelino foi verificar e voltou:
- Temos sim. Bem igualzinho a esse.
- Tem as porcas? Vou precisar das porcas também.
- Tem sim.
- Muito bem. Vou levar vinte parafusos.
Enquanto o cliente se distraia observando outros artigos da loja, Camelino preparou a encomenda, embrulhou e emitiu a comanda para pagamento no caixa. O cliente pagou e saiu, para voltar dali a quinze minutos. Foi direto ao Camelino:
- Você só me entregou os parafusos. Eu não disse que também precisava das porcas?
- Disse que precisava, mas pediu só os parafusos. Como eu podia adivinhar que o senhor queria levar as porcas também?

Cemitério interditado
Da mesma forma como ocorre em grande número de municípios brasileiros, na cidade do Camelino Parvo as chuvas também andaram derrubando morros e arrastando casas barrancos abaixo, matando gente inclusive. Sobraram umas tantas casas ameaçadas de caírem também, que foram interditadas pela Defesa Civil local. Os moradores foram obrigados a sair, mas alguns se opuseram, não queriam abandonar seus lares e foram retirados à força. Todas as famílias desabrigadas – incluindo a de um primo do Camelino – estão provisoriamente alojadas no Ginásio de Esportes.
E agora, o que está ameaçando vir abaixo é o Cemitério Municipal, também localizado numa encosta muito perigosa. Camelino está muito preocupado com a situação e telefonou para a Defesa Civil:
- Vocês vão retirar os defuntos dos túmulos ameaçados de desabamento? E os mortos, também serão levados para o Ginásio de Esportes?


Vai falar com quem?
Semana passada um colega de trabalho de Camelino pediu um dia de licença para ir ao velório de um velho amigo, falecido numa cidade vizinha. Ao pessoal da repartição, explicou:
- Não posso deixar de ir ao enterro do Mário Sérgio. Foi um dos maiores amigos que tive. Me ajudou muito quando eu mais precisei. Devo muita obrigação a ele. Nunca me cansarei de agradecer por tudo o que ele fez.
Camelino:
- E como é que você vai falar com ele?
 *****
Ainda na linha fúnebre, na terça-feira, véspera de Finados, Camelino sai do serviço e se despede dos colegas. Roberto, um dos mais chegados ao nosso personagem, pergunta:
- O que vai fazer no feriado, Camelino?
- Vou descansar. E você?
- Vou dormir um pouco mais de manhã. À tarde, vou ao cemitério visitar o túmulo do meu pai.
Camelino:



Não deixe o ferro ligado!
Nosso amigo Camelino foi ao cinema com a esposa. Depois de muito tempo (muitos anos, na verdade!) decidiram sair de casa à noite, de tal forma que a preparação tomou mais tempo que o programa propriamente dito. Dela, principalmente: experimenta roupa, põe e troca bijuterias, sapatos, etecétera e tal, sabem como é, né? Se a vida do casal fosse uma novela, esses “preparativos” levariam pelo menos uns três capítulos. Enfim...
Na saída de casa, já depois de trancado o portão, uma dúvida assalta a esposa:
- Será que deixei o ferro (elétrico) ligado? Volta lá para conferir, Camelino. Se estiver ligado, desliga.
Camelino foi e voltou:
- O ferro estava desligado, amor!
- Que bom. Assim fico mais sossegada. Se não tivesse confirmado eu não ficaria tranquila no cinema.

Na volta, a surpresa: a luz da casa desligada, uma enorme fumaceira no quarto de despejo, um cheiro quase insuportável de queimado. Foram conferir. A tábua de passar roupa havia queimado, junto com um monte de roupas. O incêndio só não se propagou porque a tábua e as roupas estavam meio isoladas num canto. Além disso, um curto-circuito na fiação do ferro elétrico determinou o desligamento da eletricidade.


A mulher, espumando de braba, questionou o Camelino:
- Você não veio conferir se o ferro estava desligado? Eu não pedi para desligar se estivesse ligado? Como é que foi acontecer essa desgraça?
- Conferi sim. E estava desligado, sim!
- E como é que queimou tudo isso aí?

- Como estava desligado eu liguei, ora!

Camelino e o calado do navio
Nosso herói embarcou num cruzeiro marítimo, em viagem pela costa brasileira percorrendo itinerário entre o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. No segundo dia, durante o jantar com o Capitão do navio, estava frustrado e questionou:
- Senhor Capitão, a qualidade das instalações do navio é excelente, o atendimento a bordo é de primeira linha e todo o serviço é digno dos maiores elogios. É a primeira vez que viajo por mar e a minha decepção reside na monotonia da viagem. Sempre adorei viajar, contemplar cenários novos e paisagens exuberantes, e desta vez estou frustrado. Durante o percurso só se vê água por todos os lados, só água, água e mais água.
O capitão não era propriamente um “casca-grossa”, mas aproveitou para tirar um sarrinho:
- Então o senhor queria que o navio passasse pela Mata Atlântica, pela Amazônia e talvez pelo Cerrado, para que pudesse apreciar a paisagem?
- Em absoluto, Senhor Capitão. Sei que o navio precisa de água para navegar. Mas podia passar perto das praias, e dos costões, pelo menos...
- Já vi que o senhor não entende nada de navegação. Se passarmos perto demais das praias, o navio corre sério risco de encalhar nalgum banco de areia... o calado do navio não permite.
- Camelino passou o resto da viagem observando atentamente a tripulação e na última noite não se aguentou; interpelou uma das garçonetes do restaurante:
- Desculpe, moça, mas me conte: quem é esse tal de “calado do navio”?
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 Camelino ouviu na TV que uma quadrilha de exploradores do sexo estava trazendo travestis de cidades do interior para as metrópoles, submetendo-os a verdadeiro “trabalho escravo”. Ficou condoído com a situação e buscou esclarecimentos (em primeira instância, junto à patroa que também assistia à TV):
- A que tipo de trabalho será que eles estão sendo submetidos?


   * * * * *
Roberto, um colega de trabalho de Camelino, está todo empolgado porque vai, com a esposa, conhecer Buenos Aires, a glamourosa capital argentina (que muita gente – especialmente na Europa – acha que é a capital do Brasil). Já fez as reservas para passar o Natal na capital portenha. Nosso herói não deixou passar:
- Quando é que vai ser o Natal em Buenos Aires?
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Camelino ia passando pela rua, perto de casa, quando viu alguns funcionários da empresa de energia elétrica trabalhando com os fios em cima de um poste. Imediatamente lembrou-se de um problema com a rede telefônica da sua casa, que estava em curto-circuito e, portanto, com a linha desativada. Dirigiu-se a um dos eletricistas pedindo que eles fossem verificar este problema, mas não foi atendido:
- Infelizmente não podemos ajudá-lo. O senhor precisa contratar um profissional particular, uma vez que o defeito é na instalação interna. Além disso, nós não trabalhamos com linha telefônica. Nosso serviço é só na rede elétrica.
E Carmelino:
- Mas não é tudo a mesma coisa?
Por mais que se insista na tese de que as leis naturais são imutáveis, sempre há alguém que queira mudá-las. Nesse sentido Fidel Castro resolveu abolir a Lei da Oferta e da Procura em Cuba, há muitos anos, e agora estão querendo voltar atrás. Na China aconteceu a mesma coisa. Revogaram a lei e depois revogaram a revogação. Na Coréia do Norte a lei também foi revogada e continua assim, mas dizem que por lá o pessoal é meio devagar mesmo, é porque - por motivos óbvios - ainda não enxergaram o problema. Por outro lado, a Lei do Menor Esforço foi aprovada e é seguida à risca na Bahia, onde inclusive recebeu alguns adendos. Albert Einstein criou a Teoria da Relatividade, que não chegou a atingir o status de lei, e agora se sabe o porque: um dos seus artigos, o que trata do limite de velocidade (não confundir com o Código Brasileiro de Trânsito) está sob suspeita, pois acharam uma partícula (que safada!!!) mais rápida que a velocidade da luz. Consegue ser mais rápida que os motoqueiros que andam pela Enseada! E mais rápida também que os baladeiros que saem bebuns das festas na madruga e espatifam os carros contra postes e muros (quando não pegam alguém desavisado nas calçadas)! Enfim, enfim...
Mas é a Lei da Gravitação Universal que incomoda o nosso amigo Camelino Parvo.  Por algum motivo desconhecido, os neurônios dele não conseguem assimilar certos dispositivos dessa lei. Ele não entende porque, afinal, a água tende a se acumular nos lugares mais baixos. E de lá não sai por iniciativa própria (a não ser que haja ligação com algum lugar mais baixo ainda). Ele questiona o fato de que, se a água sobe para as nuvens de onde cai em forma de chuva, por que não subiria por uma canalização até a parte mais alta de um morro? Ele raciocina que, se assim fosse, estaria resolvido um problema crucial da distribuição de água nas cidades. E trabalha árdua e ardorosamente num projeto para fazer a água subir naturalmente os morros. E canalizada. Para Camelino, a questão teórica já está resolvida, falta apenas a parte prática, um pouco mais complicada, mas ele garante que vai conseguir:
- É só inverter a equação da Lei da Gravidade.
É bom torcer contra. Na improvável hipótese de dar certo, toda a humanidade vai para o espaço. Literalmente.
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Camelino comemorou seu aniversário com direito a bolo e “parabéns pra você” no escritório em que trabalha. Entre outros agrados, como “lembrancinha”, os colegas presentearam-no com um quadro de pintura abstrata.
Duas semanas depois um colega foi visitar o Camelino e se deparou com o quadro encostado num canto, no chão. Questiona, o nosso herói se justificou:
- Até agora não descobri qual é o lado de cima do quadro.
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Camelino Parvo teve um sobrinho assassinado em circunstâncias misteriosas, dentro da própria casa, onde foi encontrado sem roupa, vítima de um tiro de revólver na altura do peito, que lhe atingiu em cheio o coração. Camelino foi convocado ao Instituto Médico Legal para o reconhecimento do corpo e depois teve uma conversa com o inspetor que fazia a investigação do caso.
- O senhor viu que ele foi vítima de um tiro à queima-roupa, não foi?
- Como assim? Não pode ter sido à queima-roupa! Ele não estava pelado???
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Camelino adora jardinagem. Como hobby, claro. Recentemente andou fazendo algumas pesquisas sobre adubos e acabou “inventando” uma fórmula de fantásticos efeitos, segundo a sua própria avaliação. Consiste na mistura de dois ingredientes que, entretanto, só pode ser concluída no momento da aplicação na terra. Como dispunha de uma boa quantidade dos materiais decidiu guarda-los para ocasião propícia. Deitou cada um num saco plástico próprio, depois juntou os dois sacos e colocou-os num maior, sobre o qual fixou uma etiqueta, para que não se esquecesse (e para que alguém que os encontrasse também pudesse manuseá-los). Na etiqueta, escreveu: Usar os dois ingredientes em quantidades iguais, isto é, um dos materiais não pode ter quantidade maior ou menor que o outro. Ainda não satisfeito, acrescentou: Quantidades iguais significa 50% de um material e 50% do outro.
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Camelino vinha passeando pelas ruas centrais da cidade quando foi surpreendido por uma correria generalizada, com uma multidão atrás de um assaltante que acabara de roubar a bolsa de uma senhora idosa. O ladrão, vestindo roupas pretas, ia em desabalada carreira e entrou pela rua em que o nosso herói vinha. Na esquina, ambos quase se chocaram de frente e Camelino, sem saber do que se tratava, nada pode fazer, simplesmente observando o homem passar. Vários passos adiante e, dentre os perseguidores que vinham quase um quarteirão atrás, um homem interpelou-o:
- Ei, você que vinha pela outra rua, viu se o ladrão de preto dobrou a esquina?
- Não reparei, não. Quando passei por ali nem percebi que a esquina estava dobrada!

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