terça-feira, 31 de julho de 2012

O esporte brasileiro pede socorro


Noite de segunda-feira marca o habitual encontro de Narcisus, o professor universitário que atende pelo carinhoso apelido de Cisso e seu amigo Ptolomeu, o PItolo dos amigos mais chegados. Geralmente o papo é sobre a política brasileira, mas desta vez o assunto é outro.
Pitolo: Acompanhando as Olimpíadas pela TV, Cisso?
Cisso: Claro, Pitolo, claro. Como todo bom brasileiro, torcendo pelas nossas cores. Tentando torcer, em alguns casos, para ser mais claro...
Pitolo: Não entendi, Cisso. Não entendi essa sua expressão de “tentando torcer...”

Cisso: Há algumas coisas que deixam a gente indignado, Pitolo. Vejo alguns países sem expressão, quer no aspecto econômico, quer no aspecto social, que estão tendo muito mais aproveitamento nestes jogos do que o Brasil...
Pitolo: Mas até que estamos indo bem, Cisso... já ganhamos duas no futebol, ganhamos no handebol, no voleibol masculino, temos uma medalha de ouro no judô, uma prata na natação...
Cisso: Os esportes de apelo popular sempre foram vistos com prioridade no Brasil, Pitolo. São eles que têm retorno financeiro garantido para os patrocinadores. Caso do futebol e do voleibol em especial, do basquete em segundo plano. Esportes sem apelo popular, aqueles que não dão retorno publicitário, são relegados a um plano inferior... e põe inferior nisso, Pitolo.
Pitolo: É verdade... a TV só privilegia os esportes de massa...
Cisso: Claro, PItolo. As outras modalidades ficam dependendo de patrocínios escassos, de empresas com algum viés filantrópico, da abnegação de alguns treinadores que chegam a improvisar centros de treinamento em terrenos baldios e do sacrifício dos atletas. Vitórias nessas modalidades são exceção. Nalguns esportes mais elitizados, como a natação, a esgrima e a vela, as despesas são bancadas pelos próprios praticantes, sempre das classes mais privilegiadas. Escutei a história do nosso lutador de judô, o Leandro Cunha, que foi derrotado na sua estréia, no domingo. O apelido dele é “Coxinha”. Você ouviu a história dele, Pitolo? Sabe porque o apelido dele é “Coxinha”?
Pitolo: Não, Cisso, não ouvi a história. Por que o apelido dele é “Coxinha”?
Cisso: Porque, quando garoto, ele precisava vender coxinhas que a mãe dele fazia. O dinheiro servia para ele poder ir treinar na academia, senão não teria condições nem de pagar o ônibus. Ele vendia as coxinhas inclusive para os colegas do esporte. Acabou pegando o apelido...
Pitolo: É comovente...
Cisso: Histórias como essa existem às centenas Brasil afora. Outro dia assisti na TV o caso de um treinador, em Minas Gerais, não lembro a cidade nem o nome dele, que improvisou uma pista de salto em distância e salto triplo num terreno baldio, sem nenhuma estrutura, sem nenhum equipamento. Os praticantes, quase todos meninos e meninas, treinam na terra nua. Alguns treinam descalços, outros com tênis “abrindo o bico”. O abnegado cidadão conseguiu que uma das suas “discípulas” conquistasse um título sulamericano numa categoria de base e espera que ela seja uma futura revelação olímpica...
Pitolo: Assim o Brasil não chegará a ser uma potência esportiva...
Cisso: Não, Pitolo, não chegará. Mesmo que promova as próximas Olimpíadas. Mesmo que construa uma Vila Olímpica, estádios para os jogos e por aí afora. Não é disso que precisamos. Vila Olímpica não forma atletas, Pitolo. Os atletas precisam ser formados na base, nas escolas, nos bairros, nas pequenas cidades do interior. Eu sempre faço um paralelo entre o esporte e a educação, Pitolo. Aqui no Brasil, infelizmente, temos situações semelhantes. Faltam projetos sérios, falta estrutura, falta incentivo... já ouvi dizer que cada real gasto na construção de escolas representa um real a menos gasto na construção de cadeias. O mesmo raciocínio vale para o esporte. Tenho a certeza de que a formação de um atleta fica muito mais barato do que a recuperação de um criminoso... e o ganho social, então, é imensamente maior.
Pitolo: Você vê alguma solução, Cisso?
Cisso: Em curto prazo não, Pitolo. Esse tipo de coisa não se resolve em curto prazo. Mas temos que começar em algum momento, não é mesmo? Para ter resultados dentro de uns quinze ou vinte anos. Uma solução seria o financiamento de projetos sérios, de pequeno porte. Aquele treinador de Minas Gerais, por exemplo. Se ele tivesse recursos, não formaria apenas uma campeã sulamericana, formaria várias. Não precisaria muito, apenas o básico. Não custaria muito. O problema dos nossos dirigentes é sempre o mesmo: deixam-se deslumbrar por projetos grandiosos, megalomaníacos, que não resultam em praticamente nada... gastam fortunas imensas com retorno pífio...
Pitolo: Mas garantem um baita espaço para as trambicagens com empreiteiros, né?
Cisso: Eu admiro você, Pitolo. Você saca logo o que acontece por trás dos bastidores...
Nas fotos: 1) o judoca Leandro Cunha, o “Coxinha” e 2) atletas treinam corrida em “pista” de terra em Capão Redondo (SP).
Imagens: http://pan.uol.com.br e http://vejasp.abril.com.br


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