terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ministro Bezelho e a “indústria do molhado”


No mitologia antiga era comum a adoração a entidades duais – meio isso e meio aquilo, como o leão com cabeça de serpente, o homem com cabeça (e rabo) de touro (o minotauro), os meio-homens e meio-cavalos (os centauros) e outras esquisitices semelhantes.
Como brasileiro não se dá por achado e não fica devendo nada a ninguém, não podíamos ficar sem um desses seres ambivalentes (nem sempre tão valentes assim). E apareceu um, meio bovino e meio leporídeo (para quem gazeteou as aulas de ciências, os leporídeos são a família das lebres – e dos coelhos também). Portanto, o nosso ser mitológico seria um cruzamento de boi com coelho. Mais precisamente, um filhote de boi, um bezerro. Como macho com macho não se criam nem procriam, vamos mudar de bezerro para bezerra. Assim fica melhor: da união dos dois opostos, masculino e feminino, surge a síntese, o produto mitológico. Misto de um coelho com uma bezerra. Perfeito para os padrões da mitologia. Bezerra com coelho, um bezelho. Mas, como respeito é bom e cabe em qualquer lugar (proíbo piadinhas!), vamos escrever o nome com inicial maiúscula. Afinal, trata-se de um ser importante. Então tá: Bezelho!
Como é praxe acontecer com todos os seres especiais, o Bezelho nosso precisaria ser integrado à história e, assim, foi entronizado num tal de Ministério da Integração Nacional, onde poderia se desenvolver eficaz e confortavelmente, exercendo a função vital peculiar aos bovinos jovens, a de mamar nas tetas da vaca-mãe. No caso, as tetas são amplas e fartas e atendem pelo estranho nome de erário público (a redundância é proposital).
A dualidade do nosso Bezelho não fica só na sua estrutura constitutiva, espalha-se ainda pelas suas incursões às tetas, isto é, às verbas: na sua terra de origem comprou duas vezes um mesmo terreno (placidamente como um bovino, e ligeiramente como um leporídeo). Com dinheiro público, claro, que Bezelho é Bezelho e não Burrelho. E também nomeou dois parentes para cargos públicos (por onde anda a Lei do Nepotismo?)
Mas não adianta chorar sobre o leite mamado. Quem não deve estar gostando das façanhas do Bezelho são as vítimas das enchentes em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e adjacências. Na carência do precioso leite (de água já estão cheios), ficaram chupando os dedos porque no ano passado o Bezelho mandou quase todas as verbas do Ministério da Integração Nacional (“da Entregação Nacional” não ficaria melhor?) destinadas a obras contra alagamentos para o seu Estado natal, Pernambuco e, mais especificamente, para o seu curral eleitoral, a região de Petrolina, cidade da qual já foi prefeito duas vezes (de novo a dualidade aparece na vida do Bezelho). Agora, reparem bem no que fez o mitológico ser: mandou verbas contra enchentes para uma região que fica bem no meio do famoso “polígono das secas” (veja acima uma foto bem característica). Esse “polígono” já engoliu quase tanto de verbas públicas quanto o que os americanos gastaram nas guerras da Ásia. Lembram da famigerada “indústria da seca”? Quantos “coronéis” nordestinos não ficaram milionários com ela? Pois então, parece que o Bezelho quer agora iniciar a “indústria do molhado”. Primeiro, vão as verbas contra as enchentes. Depois, as da transposição do Rio São Francisco (contra a seca). Afinal, aquela região tem problemas de seca ou problemas de enchentes?
Na semana passada, ao se explicar no Congresso Nacional, esperto como coelho e diante de um reduzido número de parlamentares (os exaustos congressistas estão a gozar de merecidas férias), o Bezelho disse que as acusações são manobras políticas que visam prejudicar o seu partido. O partido dele é o PSB, mas ele foi formado nas equipes de base do PDS (aquele da sustentação da ditadura militar). Se a política brasileira fosse um assunto sério seria o caso de perguntar: o que tem a ver uma camarilha ideologicamente vinculada à direita reacionária – como o extinto PDS – com o atual repositório das artimanhas bezelhinas, o PSB – um partido de esquerda, socialista até no nome? Não é preciso responder, dá para entender: para se manter agarrado às tetas, não importa o chão em que se pisa, nem o teto sob o qual se abriga e nem a cor da camisa que se veste. Afinal, que mal há em se aprender a cantar o hino nacional dos Países Baixos se a vaca for holandesa, não é mesmo?
No Congresso Nacional, o Bezelho foi bovinamente aplaudido. Pudera: na plateia só estavam as vaquinhas de presépio.
Crédito fotográfico: Brasil Escola (http://www.brasilescola.com/brasil/a-seca-no-nordeste.htm)

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